quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Paradoxo do Corvo

Quando a fé é necessária

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Uma gota, um fio de cabelo ou uma célula servem como vestígios e podem apontar o autor de um crime aparentemente sem provas. Por isso mesmo, o investimento em tecnologia é um dos itens destacado pelos diretores da Polícia Científica de São Paulo. No entanto, a reconstituição da morte de Isabella Nardoni, no Edifício London, Vila Mazzei, Zona Norte de São Paulo, onde ela foi assassinada em 29 de março, a partir das conclusões elaboradas por peritos criminais abre uma séria discussão sobre até onde podemos acreditar na infalibilidade dos métodos e preceitos científicos.

Recursos tecnológicos são apontados como as principais novidades no trabalho da polícia científica neste caso de assassinato que mobiliza a opinião pública. A coleta de provas e a análise do local estão demonstrando ser fundamentais para esclarecer a autoria deste crime. É nesse momento que entra em cena o perito criminal que tem seu trabalho como a base para as investigações da polícia e a chave para esclarecer vários enigmas nas melhores entidades investigativas do mundo.

Contudo, é necessária, nesse momento, uma séria reflexão: Por que deveríamos supor que só porque, repetidas vezes, verificamos que apenas há corvos pretos frente a nossos olhos, significa que "todos os corvos são pretos" quando esta afirmação poderá ser facilmente falsificada pela observação de um corvo vermelho? A resposta para esse pergunta é simples: necessitamos acreditar nisso, precisamos ter fé que assim sempre será, só assim controlamos os fatos e podemos inferir sobre eles.

Se alguém afirma que a ciência é impassível, que é impossível uma ciência intuitiva, metafísica, é porque não meditou com suficiente profundidade a sua noção de “objeto”. Hoje sabemos, melhor dizendo, assumimos o papel fundamental da intuição nas grandes criações humanas, mesmo as científicas. Olhando um quadrado, mesmo prescindindo da experiência de um estudo prévio, sabemos instantaneamente que não podemos dividi-lo em dois quadrados com uma única linha reta. Saber isso de imediato é ter a intuição do quadrado. Além disso, nosso conhecimento sobre os objetos reais é apenas fruto do que somos capazes de pensar sobre ele e essa capacidade é delimitada por nossa expectativa. Vivemos na verdade um anarquismo teórico travestido de metodologia cientifica.

O perito é treinado para ver o que os outros não enxergam e esse treinamento se sustenta em basicamente dizer-lhe o que procurar e como procurar. Ao chegar ao local de um crime, os técnicos fazem uma primeira varredura em busca de pistas e devem ser os primeiros a chegar com o cenário já previamente isolado para que se acredite ter preservadas, antes de tudo, as condições em que o crime foi cometido. “Esse local tem que ser preservado o máximo possível para que os vestígios que vão ser analisados sejam os mais reais possíveis”, diz o perito criminal Ricardo Salada. Entre o material básico carregado pelos peritos estão lupas, pincéis para o recolhimento de impressões digitais e luz ultravioleta, que realça e capta materiais biológicos: manchas de sangue, líquido seminal, saliva e suor que só são vistas com o auxílio de uma lente especial. “Todas as análises passam por cálculos e serão prova probabilística que fará parte de todo o inquérito", disse Eloísa Bittencourt, diretora do Núcleo de Bioquímica do Laboratório de DNA da Polícia Científica de São Paulo.

No caso Richtoffen, a perícia foi decisiva para chegar aos culpados pelo assassinato do casal Marisia e Manfred: a filha Suzane, o namorado Daniel e o irmão dele. “O local fala. Uma porta entreaberta, uma luz acesa, uma televisão ligada, são informações que vão começar a me dar dados de como aconteceu o crime”, conta o perito criminal Ricardo Salada que foi o primeiro a chegar ao local do crime e logo percebeu que havia algo estranho. “Bagunça organizada, uma bagunça orientada. Outros pontos da residência que não foram nem mexidos.” No quarto do casal, o revólver deixado por supostos ladrões também chamou a atenção. Não foi simplesmente um latrocínio - um ladrão jamais deixaria uma arma de fogo no chão.

Indiciados pela morte da menina, Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella Nardoni, se tornaram suspeitos de homicídio doloso (com intenção) qualificado por motivo torpe, crueldade e impossibilidade de defesa da vítima através de um conjunto de laudos técnico-científicos resultado das várias visitas dos peritos ao local do crime e do exame do corpo da vítima.

Mas para chegar a isso os peritos se reuniram para tentar chegar a um consenso e até pediram opiniões externas de outros colegas, pois a intenção era entregar o laudo à policia o mais rápido possível e sem contrariedades. A ciência se vende como não possuidora de contrariedades. Assim, após semanas de tentativa do Instituto Médico Legal (IML) de responder o que teria provocado a morte de Isabella, os legistas só não tinham dúvidas e concordavam que a menina sofreu uma parada respiratória: exames apontaram marcas no pescoço, manchas no pulmão e no coração, e as pontas dos dedos avermelhadas, sinais que normalmente indicam asfixia.

Duas dúvidas ainda precisavam ser esclarecidas pelos legistas: o que teria deixado a menina sem respiração e se a parada respiratória teria acontecido antes ou depois dela ser jogada do 6º andar. Fatos fundamentais para o desenrolar do inquérito. Para responder às questões, os médicos estudavam três hipóteses. A primeira era a de que Isabella teria sido estrangulada. O aperto no pescoço teria deixado a menina sem respiração e provocado um desmaio. A segunda apontava para uma convulsão. Um levantamento feito pelo IML mostrava que Isabella poderia ter sido chacoalhada com muita força. Nesse caso o cérebro teria ficado sem oxigenação por mais de cinco segundos, o que também provocaria um desmaio. A última é que a menina tenha sofrido uma parada respiratória causada pela queda. Hipóteses completamente díspares entre si que transformariam completamente a cena e as possíveis motivações para o crime. Por fim, após as inúmeras conferências, prevaleceu, sabe-se lá por que, a versão do estrangulamento.

Para tentar aproximar-se da realidade, os peritos utilizam-se de processos probabilísticos que apontam e supõem uma direção que pode ou não, em medida matemática, se configurar em reais fatos. Não há, pois, como escapar, uma teoria não passa de uma suposição quimérica. A metafísica, nem sempre consciente, não é apenas possível, mas absolutamente necessária, no mínimo como fundamento, implícito ou explícito, das ciências. “A perícia é um trabalho delicado, que exige, antes de tudo, a preservação da cena do crime. Sua finalidade, tanto criminalística quanto médico-legal, é fornecer os elementos para aqueles que têm a competência legal p’ra indiciar, denunciar e sentenciar. O perito não condena nem absolve ninguém, só fornece elementos pra quem pode fazê-lo”, conclui o coordenador da Polícia Técnico-Científica de São Paulo, Celso Perioni.

2 comentários:

Borges disse...

Você ainda quer ser perito?

Carlos Alberto Bisogno disse...

Penso que eu poderia, se tivesse as condições necessárias, contribuir para a melhoria de todo este processo.