sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Partícula de “deus”:

Maquina reproduzirá o princípio do universo

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Simulação de como apareceria um microburaco negro no detector Atlas, do LHC (Foto: Cern)

Na última quarta-feira (dia 10/09), sob a fronteira entre a Suíça e a França, pesquisadores de mais de 50 países puseram em operação o maior e mais complexo instrumento científico já construído: um acelerador de partículas que custou mais de 3 bilhões de euros. Teve início o ambicioso projeto que simulará a explosão que deu origem ao universo e da qual surgiram todas as coisas — o Big Bang.

“Nós nos comportamos como crianças curiosas que gostam de quebrar as coisas para descobrir o que tem dentro”, diz o físico inglês John Ellis, uma das grandes cabeças envolvidas no projeto. O LHC (sigla para Grande Colisor de Hádrons: prótons e nêutrons) sondará as entranhas da matéria em busca das respostas que faltam para compreender vários dos mistérios do surgimento do universo. E a idéia é fazer isso sem destruir o mundo no processo, a despeito de rumores em contrário.

Como um “carrossel” gigantesco de 27 km de circunferência, resfriado a -271ºC, onde prótons (partículas que caracterizam os elementos existentes no universo) circulam impulsionados a 99,99% da velocidade da luz por poderosíssimos ímãs, construídos com tecnologia de supercondutores, ele produzirá um feixe em cada direção — horária e anti-horária. Imagina-se colidir estas partículas quando estiverem em máxima velocidade e com o impacto, simular condições próximas às que existiram logo após o Big Bang gerando um sem-número de partículas elementares que serão estudadas. Entre estas partículas, se buscará freneticamente por uma partícula em especial: o bóson de Higgs, ironicamente apelidado como "a partícula de Deus".

Existe uma teoria muito querida pelos físicos de partículas, chamada de modelo padrão. Ela é basicamente uma lista de todas as peças — ou seja, todas as partículas — usadas na confecção de um universo como o nosso. Ela explica como os prótons e os nêutrons são feitos de quarks, e como os elétrons fazem parte de um grupo de partículas chamado de léptons, em que também se incluem os neutrinos, partículas minúsculas de carga neutra. O modelo padrão também explica como funcionam as partículas portadoras de força (como o glúon, responsável por manter estáveis os núcleos atômicos, ou o fóton, que compõe a radiação eletromagnética, da qual faz parte a luz).

Os físicos prevêem a existência de uma partícula que explicaria como todas as coisas adquirem sua massa. É onde entra o bóson de Higgs. Até agora os cientistas não encontraram nenhum sinal concreto de sua existência. Por maior que fossem os aceleradores de partículas, o Higgs continuava ocultando sua existência. Agora, com a nova jóia da ciência européia, ele não terá mais onde se esconder, imaginam.

"Ninguém duvida que a idéia que está por trás do bóson de Higgs esteja correta", afirma Adriano Natale, físico da Universidade Estadual Paulista (Unesp). "Se ele, exatamente como foi proposto, não for encontrado, aparecerão outros sinais — partículas — que indicarão o novo caminho a ser seguido. Seja qual for a física que está por trás de tudo isso, algo vai aparecer, e este algo pode até levar a uma nova revolução na física. Aliás, a física bem que anda precisando de uma ‘nova revolução’".

Mas tudo isso ainda terá de esperar um pouco, pois o processo está apenas em seu início e as primeiras colisões só começarão a ocorrer daqui a alguns meses.

A caixa de Pandora e o fim do mundo

Cientistas têm comentado, embora com cautela, que os experimentos da Cern (Organização Européia para Pesquisa Nuclear) estão se aventurando pelo terreno da ficção científica especulativa: universos múltiplos, mundos paralelos, buracos negros no espaço funcionando como elos entre esferas diferentes de existência e microburacos negros gerados em aceleradores de partículas gigantescos.

Como assim? Microburacos negros? Os buracos negros não são aqueles objetos terríveis que existem nas profundezas do espaço, engolindo tudo que está ao seu redor, até mesmo a luz? Será que é uma boa idéia criar um no subsolo terrestre?

Em agosto, um grupo de cientistas apresentou uma denúncia perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo, para que fosse suspenso o teste do LHC, diante do risco de que um buraco negro seja gerado.

No entanto a imensa maioria dos físicos diz que não haverá perigo algum. "Esses possíveis buracos negros são microscópicos", diz o pesquisador da Unicamp, Alberto Saa. "Uma vez criados, seriam quase imediatamente destruídos, espalhando diversas partículas com padrões muito peculiares."

Stephen Hawking — um dos físicos mais respeitados do mundo — defendendo sua teoria citada por Saa, diz que “a probabilidade de que o LHC tenha energia suficiente para criar buracos negros é menor do que 1%. Colisões como essas, e ainda com maiores quantidades de energia ocorrem milhões de vezes por dia na atmosfera da Terra e nada terrível acontece".

Entretanto em 1973, os físicos Albert A. Jackson e Michael P. Ryan da Universidade do Texas propuseram que um evento catastrófico ocorrido em 1908 na Sibéria foi causado por um "pequeno buraco negro" viajando pelo espaço em alta velocidade com uma massa aproximada entre 1020 e 1022 gramas (o algarismo “um” seguido de vinte ou vinte e dois zeros!). Eles explicaram que ao se aproximar da Terra, esse buraco negro causou uma explosão, penetrou na crosta da terra, atravessou-a e saiu do outro lado, destruindo, em convergência para o centro, cerca de 80 milhões de árvores, numa área de aproximadamente 2.150 quilômetros quadrados.

"O risco é suficientemente alto para fazer com que o projeto seja detido", argumentam os cientistas contrários ao projeto. E mesmo que os microburacos negros possam ser inofensivos ou improváveis, há uma outra hipótese um pouco mais ameaçadora.

Os vilões dessa vez são chamados de "strangelets". Seriam partículas de um tipo exótico de matéria que não existe normalmente. O problema é que a teoria diz que, se um deles conseguisse tocar o núcleo de um átomo convencional, o átomo seria convertido em strangelet. Ou seja, se o LHC produzir essas partículas, alguns físicos dizem que eles poderiam interagir com a matéria normal da Terra e iniciar uma reação em cadeia que consumiria o planeta inteiro.

Muitos e muitos estudos dizem que isso não vai acontecer. O problema é como decidir o que fazer, se o risco, embora baixíssimo, envolve a destruição da Terra. O astrônomo real britânico, Sir Martin Rees, escreveu o livro "Hora Final" para alertar sobre experimentos como esse, que, embora com uma probabilidade muito baixa, têm chance de causar resultados catastróficos.

Em breve, serão iniciadas as primeiras colisões com objetivos científicos. E aí, ou os rumores sobre a destruição do mundo se mostrarão completamente infundados e até tolos, ou ninguém estará aqui para dizer que tinha razão.

Em busca de uma solução final

Hoje, o entendimento do mundo físico se assenta sobre dois pilares. De um lado, há a física quântica, base para todo o modelo padrão da física de partículas. De outro lado, há a teoria da relatividade geral, que explica como funciona a gravidade.

Até aí, tudo certo. Há duas teorias, cada uma regendo seu próprio domínio de ação, e ambas funcionam muito bem, obrigado, na hora de prever os fenômenos. Qual é o problema? O dilema surge porque há circunstâncias muito especiais no universo que exigem o uso das duas teorias ao mesmo tempo. Aliás, o próprio nascimento do cosmo só pode ser explicado juntando as duas teorias. E aí é que está o problema: as equações da relatividade e da física quântica, utilizadas juntas, não fazem sentido. Começam a aparecer cálculos insolúveis e resultados infinitos — sintomas de que há algo muito errado em uma das duas teorias, ou até em ambas.

Por isso, os cientistas têm esperança de que exista uma teoria maior, mais poderosa, que inclua tanto o modelo padrão como a relatividade num único conjunto coeso de equações. Só essa nova teoria "de tudo" poderia realmente acabar com os mistérios remanescentes no universo.

A hipótese das supercordas — que prevê que as partículas elementares na verdade seriam cordas minúsculas vibrando num espaço com dez dimensões — é hoje a principal candidata a assumir essa função de teoria de tudo.

Até o momento, seus defensores não conseguiram apresentar nenhuma evidência real de que essa teoria das supercordas e dimensões extras realmente existam. Suas esperanças estarão agora depositadas no LHC. É possível — mas não muito provável — que ele atinja um nível de energia suficiente para revelar a existência de novas dimensões, além das três do espaço mais o tempo — que são as vivenciadas no cotidiano.

E, ainda que não chegue lá, o LHC tem boas chances de produzir objetos que emergem diretamente da interação entre a gravidade e o mundo quântico, como microburacos negros. "Esses possíveis objetos transcendem a relatividade real. Suas propriedades podem dar informações sobre regimes em que a relatividade geral não é mais válida", diz o pesquisador da Unicamp, Alberto Saa.

Carlos Alberto Bisogno
Publicado 13/09/2008 no jornal Folha da Manhã (Campos dos Goytacazes- RJ)